Algumas fotos
julho 9, 2011 § Deixe um comentário
Saí ontem para ir à universidade pegar as provas finais de meus alunos e resolver, enfim, o reembolso de nosso apartamento. À espera, enquanto a secretária do setor de finanças procurava o número do meu pedido, que, no fim das contas, não foi encontrado, fui ao xerox, passando pela biblioteca central (que é o prédio maior que está nas fotos). Lá encontrei essas simpáticas alunas e vendedoras de amendoim. No retorno para casa, não resisti em fotografar o ginásio de esportes construído pelos chineses para Yaoundé.
O monte Oku
junho 3, 2011 § Deixe um comentário
No dia 20 de maio comemora-se a independência da República dos Camarões com grande fausto. Há desfiles em quase todas as cidades do país, numa unidade impressionante e aparentemente espontânea. Em Yaoundé, uma longa parada militar reúne as autoridades, que devem chegar cedo antes que as ruas sejam fechadas para a circulação exclusiva do presidente.
Sabendo disso, no final de semana passado, nos antecipamos e saímos um dia antes em direção à região anglófona dos Camarões, para subir o monte Oku (nome sugestivo), considerado o segundo mais alto do país, com seus 3010 metros de altitude. Viagem longa, com escalas em Bangagnté, ainda no oeste, para dormir, por Bamenda, a grande capital anglófona, sede da oposição ao governo, por Bafut, centro de um importante reino, antes de chegar no que se convencionou chamar aqui de Ring Road, estrada circular quase impraticável mesmo em 4×4, porém de surpreendentes paisagens. Lá rumamos a Kumbo, levados pela indicação que tínhamos de que era melhor subir o monte cedo para evitar tempestades e que o tempo da caminhada era estimado em 7 horas e meia. No mesmo guia, aliás, dizia-se que a caminhada na floresta era de apenas 1 hora (na verdade durou 2 horas, embora a subida e a descida pudessem ser feitas tranquilamente em 5).
Bom. Com a malária de Livia, deixamos nossos amigos subirem na frente para encontrá-los 3 horas depois no topo dessa paisagem rural, com suas cabras e pastores. Na descida, enormes plantações de milho, feijão e batata e um retorno a Bamenda por uma das estradas mais interessantes que vimos até agora, onde nosso amigo Taric (na foto) se detém para fotografar a chuva iminente.
Sangue ruim
maio 29, 2011 § Deixe um comentário
Agora já posso comprovar minha estadia africana. Tive malária e as minhas doações quadrimestrais de sangue são coisa do passado. É só aqui nos Camarões mesmo, onde todos já tiveram o paludismo, que meu sangue ruim é bem-vindo. Nada daquilo que a gente aprende na escola brasileira: ciclos de 48 ou 72 horas. Aqui os protozoários já não são os mesmos desde os anos de 1950, quando em toda a África subsaariana distribuiram-se remédios gratuitamente, mas sem acompanhamento de um trabalho de conscientização. Por causa do projeto, durante quase dez anos a malária deixou de representar a doença tropical que mais mata por essas bandas. Mas a felicidade durou pouco devido ao uso indiscriminado do medicamento: uma febre aqui ou uma enxaqueca ali e…, ops!, “vamos tomar o remédio que dão de graça no posto”. Hoje os ciclos de febre e tremedeira têm em média 4 horas e os medicamentos que combatem a malária são altamente tóxicos, a tal ponto que com os comprimidos você fica pior do que antes – felizmente só por algum tempo. Hoje, segundo o Ministério de Saúde Pública dos Camarões, quase 50% das consultas médicas ocorrem em função do paludismo, assim como 23% das hospitalizações, 26% das licenças médicas e 40% das mortes de crianças com menos de 5 anos (e atenção: os dados nacionais nem sempre apontam para a gravidade de tudo o que acontece por aqui).
A dança das cadeiras
abril 28, 2011 § Deixe um comentário
Segunda-feira passada eu estava confiante. Há duas semanas ia até a universidade sem ter tido qualquer incidente relacionado à distribuição de salas. Normalmente, uma vez atribuídas aos cursos, descobre-se pouco tempo depois que elas já estão ocupadas com outras aulas e a negociação começa. Desta vez, chego na sala e vejo que do lado de meu grupo de alunos há cinquenta outros, do curso de alemão. Espera-se a professora, que decide levar os seus a um outro lugar. Meia hora depois chega o professor de latim também para reivindicar a sua sala. Hoje, aliás, houve ainda um professor de sociologia que apareceu, com quase um mês depois do início das aulas, que vão até o fim de maio.
Não se pode fazer desse um exemplo da educação nos Camarões. Mas há algumas coisas generalizáveis que explicam a situação. O ensino nos Camarões é pago, mesmo nas escolas públicas. A taxa anual não é menos do que 30 dólares e pode ser consideravelmente maior em função da escola onde se pretende estudar. Incapazes de cobrir os gastos, a estratégia é colocar o máximo de alunos possível nas salas de aula, em todos os níveis. Assim, há vários auditórios para 600 alunos na universidade. A minha condição e a da professora de alemão, diante de nossos grupos de 50, é disputar as poucas salas pequenas que restam ou, como já nos foi sugerido, dividir a mesma sala.
Para os grupos maiores, por vezes sujeitos a “minúsculas” salas de 100 alunos, há três soluções (penso do ponto de vista dos alunos): chegar cedo para garantir lugar, assistir ao curso de pé ou comprar um lugar com os alunos que madrugaram e estão lá justamente para isso.
Em tempo, no caminho hoje aproveitei para tirar fotos. Na região da universidade é comum ver motos, relativamente proibidas em várias outras áreas da cidade.
Bibi Tanga
abril 14, 2011 § Deixe um comentário
Não há cinemas nos Camarões. O teatro é amador e depende em Yaoundé de iniciativas do Centro Cultural Francês ou do Instituto Goethe. A vida musical, no entanto, tem os seus agitos. E as suas regras. No primeiro show que fomos ver, com grandes músicos camaroneses como Richard Bona e Aladji Touré, descobrimos por exemplo que não é razoável chegar na hora. E que os improvisos de jazz, acompanhados de danças e de pessoas que sobem ao palco para jogar dinheiro nos músicos, podem durar enormemente. Além disso, mesmo nas apresentações de um só artista, em virtude de um sentimento comunitário que é difícil de compreender, convidam-se os amigos, os amigos dos amigos. Cada um toca três ou quatro músicas e, assim, duas horas depois as estrelas da noite, que pode ser a carismática Rachel Tchoungui ou o controvertido Sultan Oshimin, surgem em seu esplendor.
Ontem foi tudo diferente. No Centro francês, conseguiram dar mesmo um jeito no som cuja morte já vem sendo anunciada há tempos. Isso tudo para recebermos em exclusividade (sem intromissões, improvisos intermináveis, atrasos) Bibi Tanga and the Selenites, grupo francês cujo cantor é de origem centroafricana. Mistura de soul, hip hop e jazz, com violino, sampler e excelente música africana.
Séètétélané, conto bassouto
abril 10, 2011 § Deixe um comentário
Havia um homem extremamente pobre, chamado Séètétélané. Ele não tinha nenhuma mulher. Nutria-se unicamente de ratos selvagens. Seu casaco era feito da pele de ratos selvagens assim como sua ceroula. Um dia ele tinha ido caçar ratos selvagens, achou um ovo de avestruz e disse: “Esse ovo, eu o comerei quando o vento vier de lá”. Ele o guardou no fundo de sua cabana.
No dia seguinte, foi como de costume caçar ratos selvagens. Ao retornar, encontrou pão que acabava de ser assado, yoala que acabava de ser preparado. Foi assim durante vários dias seguidos. Ele dizia: “Séètétélané, será que você realmente não tem uma mulher? Quem, se não uma mulher, teria assado esse pão e preparado o yoala?”
Enfim, um dia, uma jovem saiu do ovo e disse: “Séètétélané, quando você estiver bêbado de yoala, não me chame jamais de filha de um ovo de avestruz.”
A partir desse momento essa mulher se tornou a mulher de Séètétélané. Um dia ela lhe disse: “Você gostaria de ter gente para você?” Ele respondeu: “Sim, eu gostaria.”
Então sua mulher saiu e se pôs a bater com um bastão no lugar onde se jogavam as cinzas. No dia seguinte, acordando, Séètétélané ouviu um barulho bem alto, como o de uma multidão de homens. Ele era agora um chefe e estava vestido com belos casacos de chacal. As pessoas vinham rapidamente em sua direção, de todas as partes gritavam: “Saudação, nosso chefe! Saudação, nosso chefe!”
Todo mundo o saudava assim com respeito. Mesmo os cães se juntavam. Em todo lugar se escutavam os berros dos animais; Séètétélané era o chefe de uma aldeia imensa. Agora ele desdenhava suas peles de rato selvagem; ele só andava vestido com casacos de chacal e, de noite, ele dormia sobre belas esteiras.
Um dia, bêbado de yoala a ponto de não poder se mexer, ele gritou para a sua mulher: “Filha de um ovo de avestruz!”
Sua mulher perguntou: “É você mesmo, Séètétélané, que me chama de filha de um ovo de avestruz? – Sim, eu disse; você é a filha de um ovo de avestruz.”
De noite, ele se deitou bem quentinho nas peles de chacal e dormiu profundamente. No meio da noite acordou e, tateando com as mãos, deu-se conta de que estava deitado no chão nu e que estava coberto com suas antigas peles de rato selvagem, que chegavam com dificuldade até os joelhos; ele estava terrivelmente gelado. Percebeu também que sua mulher não estava mais lá e que toda a sua aldeia tinha desaparecido. Então se lembrou de tudo e gritou: “Desgraça! Que vou fazer? Por que disse a minha mulher: ‘Você é a filha de um ovo de avestruz?’”
Ele voltou a ser um homem extremamente pobre, sem mulher, nem filho. Envelheceu assim, tendo sempre por único alimento a carne dos ratos selvagens e por única vestimenta as suas peles, até a morte.
Antologia negra de Blaise Cendrars
abril 7, 2011 § Deixe um comentário
Depois de horas e horas de trabalho na Biblioteca Nacional, o escritor suíço Blaise Cendrars publicou em 1921 uma Anthologie nègre, que reunia fábulas, lendas e contos orais africanos agrupados por temas representativos. É a partir de então que a documentação que dormia nos arquivos, considerada material etnográfico trazido por missionários e colonos, ganha contornos de obra de arte e de texto lírico. Hoje esse livro é facilmente encontrado em livrarias, diferentemente de seu Les petits contes nègres pour les enfants des blancs, de 1928. Abaixo estão dois excertos da antologia, selecionados pelo espanto de encontrar nas histórias folclóricas e populares da África negra alguns núcleos mitológicos ou arquetípicos que falam de muito perto ao homem branco e ocidental.
*
De “A lenda das origens”, conto fân
Mas Nzamé quis fazer ainda melhor, e os três fizeram uma criatura quase semelhante a eles, um deu-lhe a força, o outro a potência, o outro a beleza. Depois, os três:
“Toma a terra, disseram, você é a partir de agora o mestre de tudo o que existe. Como nós, você tem a vida, todas as coisas lhe estão submetidas, você é o mestre.”
Nzamé, Mébère e Nkwa subiram de volta para o alto de sua mansão, a nova criatura ficou sozinha aqui em baixo e tudo lhe era obediente.
[…]
Nzamé, Mébère et Nkwa tinham nomeado o primeiro homem Fam, o que quer dizer a força.
Orgulhoso de sua potência, de sua força e de sua beleza, porque ele ultrapassava nessas três qualidades o elefante, o leopardo e o macaco, orgulhoso de vencer todos os animais, essa primeira criatura deu errado; ela tornou-se orgulho, não querendo mais adorar Nzamé, desprezava-o:
Iêiê, ó!, iêiê.
Deus no alto, o homem na terra!
Iêiê, ó!, iêiê.
Deus é Deus,
O homem é o homem,
Cada um com a sua casa, cada um no seu lar!
Deus escutou esse canto. Ele prestou atenção: “Quem canta? – Procure, procure, responde Fam. – Quem canta? – Iêiê, ó! ah, iêiê. – Quem canta agora? – Ei! Sou eu”, grita Fam.
Deus, pura cólera, chama Nzalân, o trovão: “Nzalân, vem!”
E Nzalân veio com muito barulho: Buum, buum, buum! E o fogo do céu abraçou a floresta. As plantações que queimam, perto daquele fogo lá, são como uma tocha de especiarias. Fuíííííí, Fuíííííí, fuíííí, tudo em chamas. A terra era como hoje coberta de florestas: as árvores queimavam, as plantas, as bananeiras, a mandioca, até os amendoins, tudo secava; animais, pássaros, peixes, tudo foi destruído, tudo estava morto: mas por desgraça, ao criar o primeiro homem, Deus lhe tinha dito: “Você não morrerá nunca”. O que Deus dá não retira. O primeiro homem foi queimado; o que ele virou? Eu não sei de nada; ele está vivo, mas onde? Meus ancestrais nunca me disseram ; o que ele virou? Eu não sei de nada, esperem um pouco.
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De “A hiena e a mulher”, conto kimadjamé
A mulher fugia sempre, ela chega a um grande rio; as hienas a perseguem. Ela quer se lançar, as hienas gritam: “Espera, mulher do rei!”
A mulher cospe no rio, bate com um bastão, as águas se separam: uma parte no alto, a outra embaixo. As hienas querem passar também, mas quando chegam no meio as águas se fecham em abundância e as submergem.
50/50
abril 4, 2011 § Deixe um comentário
Semana passada, depois de um dos pedidos incontornáveis de Pilar, Albert nos levou para conhecer o 50/50 e, de quebra, um amigo seu, que lhe ajudou muito durante o belo trabalho de foto-reportagem que fez com as famílias que tiveram ou terão as suas casas destruídas para dar lugar aos novos projetos urbanos da cidade.
Pois bem, o Cinquante/Cinquante é um clássico do espetinho de carne e de fígado. Cada um, de mais ou menos 50 mm, vale 50 Fcfa ou R$ 0,20. Como são minúsculos, mas suculentos, a idéia é pedir logo 10, atravessar a rua e sentar no bar da frente. De tempos em tempos é preciso retornar para pedir mais 10, que sairão em 5 ou 6 minutos, bem quentes. Estamos no coração da Briqueterie, o bairro muçulmano de Yaoundé, a poucos metros da mesquita mais antiga da cidade. Daí duas conseqüências principais: não há cerveja no bar e, detalhe nada desprezível, as pessoas são para lá de tranqüilas. Rezar cinco vezes por dia tem lá seus efeitos! Nada de pequenos comentários, olhares atravessados ou curiosidade excessiva. No 50/50 vão as famílias camaronesas e alguns estrangeiros interessados em provar um pouco do sabor local.
Viver nos Camarões é ainda
abril 4, 2011 § 2 Comentários
Acredito nas virtudes terapêuticas do discurso. Acho mesmo que os blogs de viagem em algumas circunstâncias asseguram uma distância reflexiva com relação à realidade que é próxima de uma prática de “higiene mental”, conceito antigo, do início do século XX. Preâmbulo savant para dizer que a séria Viver nos Camarões continua, sabe-se lá por quantos episódios. Assim, viver nos Camarões é ainda:
Descobrir que o seu semestre de trabalho na universidade foi encolhido para dois meses, abril e maio. E que ainda não começou.
Ir a festas de pessoas diferentes e encontrar as mesmas pessoas.
Imaginar-se diante de qualquer febre ou desarranjo vítima ou de malária ou de cólera.
Ser pago com dinheiro falso.
Notar com certa recorrência que as datas de validade dos alimentos no supermercado foram alteradas.
Ter certeza que o peixeiro te engana com o peso da balança.
Receber as provas dos alunos sem identificação para não correr o risco de ver-se subornado.
Ser convidado a casamentos e enterros de pessoas que nunca viu.
A foto acima é de meus alunos fazendo o exame final, que foi sendo adiado por motivos de organização por quase dois meses. Aliás, chegando na universidade nesse mesmo dia, descobri que as provas não estavam impressas e que a matriz, supostamente deixada no serviço de “anonimato”, tinha desaparecido. De todo modo, em algum momento falarei sobre os meus alunos e a universidade para responder ao Jorge que sempre me pergunta sobre isso.
Patubatê
março 31, 2011 § Deixe um comentário
Patubatê é um grupo de percussão brasileiro que mistura música eletrônica com batidas populares: o samba, o maracatú, o baião. Atualmente viajam por quatro países africanos (Botswuana, Quênia, Camarões e Gabão), indo a escolas com seus instrumentos feitos de sucata, pregos e garrafas, e realizando algumas apresentações. É uma iniciativa interessante do governo brasileiro, que foge ao improviso e à falta de política cultural de nossas embaixadas, normalmente autônomas quanto à promoção de eventos.
Nesses três dias estiveram por aqui e tocaram mesmo no simpático cabaré La Terre Battue, recentemente reaberto com equipamento de som novo. Com um pequeno atraso, em virtude da corrente elétrica incompatível com essa “nova realidade”, apesar disso, conseguiram seduzir um público já totalmente afeito à batucada.